Despedida Tardia

aproveito este fim de verão para me despedir de ti companheiro.
ainda não perguntei ao jardineiro o teu nome comum, fora saber como soas em latim.
estarei louco de estar a falar com uma árvore, ou não, aposto que diz o sorriso macio dum índio amigo na outra borda da terra e de outras árvores. sempre a mesma.
no meu patético stress entre o carro e a porta do prédio, bairro curiosamente chamado miraflores,
É na curva sempre à chegada. E foi assim:
a primavera estava a chegar no meu primeiro ano deste bairro, e as plantas estavam em festim de fim de tarde, exalando cheiros diversos e cruzados, a namorar.
passei por ti um ou dois dias sentindo um cheiro forte nas narinas, floral mas intenso quase ao ponto do insuportável. Talvez ao terceiro fim de dia, ao rasar a tua copa baixa, virei-me e aproximei-me a cheirar.
Estavas cheio de flores e porque, mais do que antropomorfizo, machomorfizo uma árvore, não sei.
As folhas verdes quase sem se verem numa copa cheia de flores amarelo desmaiado e o cheiro tão intenso a raiar o violento, como numa espécie de orgasmo inevitável aos berros para os pássaros, as abelhas e outros seres. A querer fecundar a primavera. Fiquei chocado.
passados poucos dias desapareceram todas as flores e a copa emudeceu de verde. como se eu tivesse presenciado um momento íntimo, curto e violento. Não falámos mais desde então. Mas andei todo o verão a lembrar-me da violência da tua primavera, da única palavra a que sabia não poder fugir. orgasmo.
Pelos dedos se contam os momentos deste verão. com os mesmos dedos teclo a minha despedida. indío. verão. árvore. pequena melancolia sempre incompreendida num texto inútil e desnecessário. para outros, talvez.

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